terça-feira, 30 de agosto de 2016

A DAMA E OS VAGABUNDOS - Gilvandro Filho

Vi uma mulher sozinha
Contra um pelotão inteiro
De velhacos traiçoeiros
Armados em plena rinha
Com sangue a escorrer na boca
E tão falsos argumentos
E a moça, sem fingimento
A combater, firme e rouca

Compunha o triste tropel
Só gente de muita astúcia
Um honesto só no papel
Um relator de pelúcia
Outro, senhor de escravos
E os que roubam na surdina
Qual entidades divinas
Fingindo até serem bravos

Durante o dia e a noite
Canalhas empedernidos
Em seu inferno escondidos
Saindo só para o açoite
E a moça forte, valente
A suportar cada lanho
Blefe de todo tamanho
Com coragem, paciente

O mau perdedor fingindo
Lobo em pele de cordeiro
Afronta o País inteiro
Sabendo que está mentindo
E vindo da Paraíba
Mais sujo que um poleiro
Caninos de dolo inteiro
Vociferou, caraíba

E o que dizer dos traidores
Que mentiam ser amigos
Que foram buscar abrigos
E hoje, tão maus atores
Sem coragem, os gabolas
Ao fugir do téte a téte
Covardes, jogam confete
Nos novos donos da bola

De nada adiantaria
Por si, qualquer argumento
Porque em nenhum momento
Qualquer dos fatos valia
Jogo de cartas marcadas
Encenação de teatro
Um discurso, três ou quatro
Meras palavras ditadas

E a mulher qual heroína
Foi até o fim da peça
No drama, a dor começa
Com a História a dor termina
Pois quem age com paixão
Tem no fim a sua glória
E quem age contra a História...
No fim vai pedir perdão

O BRASIL ESTÁ DE LUTO! O GOLPE DE ESTADO FOI CONCRETIZADO!


sábado, 27 de agosto de 2016

DOIS POEMAS DE LORD BYRON

George Gordon Byron, 6º Barão Byron, conhecido como Lord Byron,
foi um poeta inglês e uma das figuras mais influentes do romantismo

ESTÂNCIAS PARA MÚSICA
Tradução de Castro Alves

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira.
Quando, do pensamento de antes, a paixão expira
Na triste decadência do sentir;
Não é na jovem face apenas o rubor
Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor
Vai-se antes de que a própria juventude possa ir.

Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura
Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados;
O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura
Praia que nunca atingirão os panos lacerados.

Então, frio mortal da alma, como a noite desce;
Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;
toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;
Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece.

Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada,
Na meia-noite já sem esperança de repouso:
É como na hera em torno de uma torre já arruinada,
Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso.

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas,
Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;
Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas:
No ermo da vida assim seria para mim o pranto
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A INÊS
Tradução de Castro Alves

Não me sorrias à sombria fronte,
Ai! sorrir eu não posso novamente:
Que o céu afaste o que tu chorarias
E em vão talvez chorasses, tão somente.

E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vão procuras conhecer-me a angústia
Que nem tu tornarias menos rude?

Não é o amor, não é nem mesmo o ódio,
Nem de baixa ambição honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.

De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
É esse tédio que deriva, e quanto!
Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.

Esta tristeza imóvel e sem fim
É a do judeu errante e fabuloso
Que não verá além da sepultura
E em vida não terá nenhum repouso.

Que exilado - de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caça a praga da existência,
O Pensamento, que é um demônio, antes.

Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!

Por muitos climas o meu fado é ir-me,
Ir-se com um recordar amaldiçoado;
Meu consolo é saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior já me foi dado.

Qual foi esse pior? Não me perguntes,
Não pesquises por que é que consterno!
Sorri! não sofras risco em desvendar
O coração de um homem: dentro é o Inferno.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

TESTEMUNHA – Rafael Rocha (Escrito em 1967)

Do livro “Poemas dos Anos de Chumbo – 1964/1985”
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 "A história se repete, a primeira vez como tragédia 
e a segunda como farsa" (Karl Marx) 
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Fechadas as portas e as janelas
das ruas vêm os gritos.
Estampidos secos de tiros.

Escondido nas sombras
um homem testemunha
jovens sendo mortos.

Em seu peito bate
estímulos de medo.
Ele tenta silenciar o coração.

Os corpos são arrastados
aos caminhões verdes.
As trevas calam a dor.

O homem escondido
não viu nada.
Fecha os olhos e parte.

Na manhã seguinte as ruas
presidem o silêncio
e a vida escravizada.

LUA CONGELADA - Mario Benedetti

Com esta solidão
ingrata
tranquila
com esta solidão
de sangrados achaques
de distantes uivos
de monstruoso silêncio
de lembranças em alerta
de lua congelada
de noite para outros
de olhos bem abertos
com esta solidão
desnecessária
vazia
se pode algumas vezes
entender
o amor.

EROS E PSIQUE - Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia 
Uma Princesa encantada 
A quem só despertaria 
Um Infante, que viria 
Do além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, 
Vencer o mal e o bem, 
Antes que, já libertado, 
Deixasse o caminho errado 
Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida, 
Se espera, dormindo espera. 
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida, 
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado, 
Sem saber que intuito tem, 
Rompe o caminho fadado. 
Ele dela é ignorado. 
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino - 
Ela dormindo encantada, 
Ele buscando-a sem tino 
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro 
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro, 
E, vencendo estrada e muro, 
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera, 
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão , e encontra hera, 
E vê que ele mesmo era 
A Princesa que dormia –

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

AUTO-RETRATO – Ruy Paranatinga Barata

Entre a espuma e a navalha sou legenda
O espelho neutraliza o ângulo da morte,
a barba estrangulou a metafísica
e o problema do mal é bem remoto.
Aqui sim !
Aqui resistirei à mímica,
ao dicionário e ao laboratório !
- a herança do punhal brilha de novo
- o fantasma de Abel não me intimida.
Vejo a testa crescer
entre espirais de fumo,
o olhar que não vacila,
da ruga a pré-história
e o peito rasgado
pela fúria do poema.

Aqui sim,
aqui iniciarei a espécie nova,
aqui derrotarei o homem-harpa
e pronto estou para a descoberta do sexo.
O pincel dá-me o poder do patriarca,
a navalha reduz a timidez e o medo,
o palavrão rola na boca e salva o mundo.

A ADORMECIDA – Paul Valéry

Tradução de Augusto de Campos

Que segredo incandesces no peito, minha amiga,
Alma por doce máscara aspirando a flor?
De que alimentos vãos teu cândido calor
Gera essa irradiação: mulher adormecida?

Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto,
Tu triunfas, ó paz mais potente que um pranto,
Quando de um pleno sono a onda grave e estendida
Conspira sobre o seio de tal inimiga

Dorme, dourada soma: sombras e abandono.
De tais dons cumulou-se esse temível sono,
Corça languidamente longa além do laço,

Que embora a alma ausente, em luta nos desertos,
Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,
Vela, Tua forma vela, e meus olhos: abertos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A CIDADE DO RECIFE – Adelmar Tavares

Pátria do meu amor! Recife linda,
como te guarda o meu saudoso olhar!
Velas ao longe... Os coqueirais de Olinda,
e uma terra a nascer da água do mar...

Um céu de estrelas que entrevejo ainda.
Sob as pontes, o rio a se estirar...
Noites de lua... que saudade infinda...
brancas... que dão vontade de chorar...

Filho ingrato, parti... Mas nem um dia,
deixei de te lembrar, por mundo alheio,
onde me trouxe a glória fugidia.

Pátria, quando eu morrer, piedosa e boa,
dá que eu durma o meu sono no teu seio,
como um seio de Mãe que ama e perdoa...

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

SALVADOR/BA - Gregório de Matos – 1623/1696

(Descreve o que era realmente naquele tempo
a cidade de Salvador/Bahia
demais enredada por menos confusa)
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A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia. 

CINCO POEMAS DE RAINER MARIA RILKE TRADUZIDOS POR AUGUSTO DE CAMPOS

A MORTE DO POETA

Jazia. A sua face, antes intensa,
pálida negação no leito frio,
desde que o mundo, e tudo o que é presença,
dos seus sentidos já vazio,
se recolheu à Era da Indiferença.

Ninguém jamais podia ter suposto
que ele e tudo estivessem conjugados
e que tudo, essas sombras, esses prados,
essa água mesma eram o seu rosto.

Sim, seu rosto era tudo o que quisesse
e que ainda agora o cerca e o procura;
a máscara da vida que perece
é mole e aberta como a carnadura
de um fruto que no ar, lento, apodrece.
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O POETA

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.
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MORGUE

Estão prontos, ali, como a esperar
que um gesto só, ainda que tardio,
possa reconciliar com tanto frio
os corpos e um ao outro harmonizar;

como se algo faltasse para o fim.
Que nome no seu bolso já vazio
há por achar? Alguém procura, enfim,
enxugar dos seus lábios o fastio:

em vão; eles só ficam mais polidos.
A barba está mais dura, todavia
ficou mais limpa ao toque do vigia,

para não repugnar o circunstante.
Os olhos, sob a pálpebra, invertidos,
olham só para dentro, doravante.
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HORTÊNSIA AZUL

Como um último verde em um pote de tinta
As folhas têm um tom áspero, seco , velho,
Sob umbelas em flor que um azul pinta
Do falso azul, que é o seu remoto espelho.

Tosco espelho sem luz, choroso e baço
Como que prestes a perder o tom postiço,
Como antigo papel de carta já sem viço,
Onde o amarelo, o roxo e o cinza deixam traço;

Desbotado como o avental de uma criança
Que não foi mais usado e agora só descansa:
Como uma vida breve que se extingue.

Mas de repente o azul quer como que viver de
Novo em alguma umbela e se distingue
Um comovente azul sorrir de verde.
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FONTE ROMANA

Duas velhas bacias sobrepondo
suas bordas de mármore redondo.
Do alto a água fluindo, devagar,
sobre a água, mais em baixo, a esperar,

muda, ao murmúrio, em diálogo secreto,
como que só no côncavo da mão,
entremostrando um singular objeto:
o céu, atrás da verde escuridão;

ela mesma a escorrer na bela pia,
em círculos e círculos, constante-
mente, impassível e sem nostalgia,

descendo pelo musgo circundante
ao espelho da última bacia
que faz sorrir, fechando a travessia.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

SONETO DE AGOSTO – Vinicius de Moraes - Oxford , 1938


Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.

Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.

Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil...
E para a glória do teu ser mais franco

Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.

AS CISMAS DO DESTINO - Augusto dos Anjos

Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!

Na austera abóbada alta o fósforo alvo
Das estrelas luzia… O calçamento
Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,
Copiava a polidez de um crânio calvo.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,
E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!

A noite fecundava o ovo dos vícios
Animais. Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios!

Tal uma horda feroz de cães famintos,
Atravessando uma estação deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos!

Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.

E aprofundando o raciocínio obscuro,
Eu vi, então, à luz de áureos reflexos,
O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro.