terça-feira, 15 de setembro de 2015

A CÓPULA – Manuel Bandeira

Depois de lhe beijar meticulosamente
O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
O moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
Colhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti,
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: – “Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!”
Grita para o rapaz que, aceso como um diabo,
Arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(Que depois irá ter sua ração de porra),
Lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.

SONETO DOS DONATIVOS E SONETO DA AMADA GABADA - Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (15/09/1765)

Cristo morreu há mil e tantos anos;
Foi descido da cruz, depois enterrado;
Ainda assim, a pedir não tem cessado
Para o sepulcro dele os franciscanos!

Tornou a ressurgir dentre os humanos;
Subiu da terra ao céu, lá está sentado;
E à saúde dele sepultado
Comem à nossa custa estes maganos;

Pensam os que lhes dão a sua esmola
Que ela se gasta na função mais pia...
Quanto vos enganais, oh gente tola!

O altar mor com dois cotos se alumia;
E o fradinho com a puta, que o consola,
Gasta de noite o que lhe dais de dia.
............................................................
Se tu visses, Josino, a minha amada
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois o seu nevado, rubicundo rosto
Às mais formosas não inveja nada;

Na sua boca Vênus faz morada;
Nos olhos tem Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lascívia o seu encosto,
Nela, enfim, tudo encanta, tudo agrada;

Se a Ásia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
À gente, que na foda se exercita!

Beleza mais completa haver não pode;
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

EPITÁFIO – Lua Barreto


Se eu morrer amanhã
Quero dizer aos meus filhos
Que leiam Fausto
Para tentarem entender
A teoria que eu tentei viver.

Que leiam Nietzsche
E Artaud
E vejam Van Gogh
E Dali
Por nada,
Só pra saber
O que eu ousei querer.

Se eu morrer amanhã
Quero que saibam
Que não me arrependo
De ter tentado a utopia
Até a última gota.

À CONSIDERAÇÃO DO GÉNERO MASCULINO – Carla Pinto Coelho (Coimbra/PT)

não me espartilhes em comemorações vazias
pequenas cedências da tua masculinidade intocável
um par de calças condescendido por saberes que todos
os outros nos armários serão inequivocamente teus

não me chames «mulher» como se fosse um insulto,
sintoma de doença nervosa, quando pensas em segredo
que «as mulheres permaneçam caladas» onde quer que
seja o seu mundo – novo ou antigo, doméstico ou laboral

não me endeuses, não me pendures nas paredes,
nem me assentes em pedestais – sossegada, quieta,
inofensiva, agradável à vista dos teus amigos que fumam
charutos e bebem uísques com sabor a misoginia

não me dês flores nem atenções vazias em dias
marcados no calendário, como se fossem pílulas
douradas da prescrição masculina contra a histeria,
suplemento vitamínico do sexo fraco

dá-me anos inteiros para ser a mulher que sou eu,
as mesmas oportunidades, as mesmas lutas,
a mesma retribuição pelo meu trabalho,
o meu direito à diferença, num mundo cada vez mais igual

STOP DOR – Janaína Silva de Oliveira (Caruaru/PE)

Em minhas mãos
Na minha frente
Quente, gente

Lutam por bem menos que um pão

Pessoas querem pessoas
Não por amor, não por querer
Pessoas querem pessoas
Para ser

Por que essa revolta?
Para quê calar um irmão
E esse orgulho?
Você não é melhor que o seu irmão

Você não sente, o céu está de luto
Por isso está chovendo
Por que você não se cala e escuta
Escuta! O mundo grita: AMOR!

domingo, 13 de setembro de 2015

PEDRA FILOSOFAL – António Gedeão

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

PRAÇA DA REPÚBLICA DOS MEUS SONHOS - Roberto Piva

A estátua de Álvares de Azevedo é devorada
com paciência pela paisagem de morfina 
a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo
e crianças brincando na tarde de esterco 
Praça da República dos meus sonhos 
onde tudo se faz febre e pombas crucificadas 
onde beatificados vêm agitar as massas 
onde Garcia Lorca espera seu dentista 
onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces 
os meninos tiveram seus testículos espetados pela multidão 
lábios coagulam sem estardalhaço 
os mictórios tomam um lugar na luz 
e os coqueiros se fixam onde o vento desarruma os cabelos 
delirium tremens diante do Paraíso
bundas glabras sexos de papel 
anjos deitados nos canteiros cobertos de cal água fumegante
nas privadas cérebros sulcados de acenos 
os veterinários passam lentos lendo Dom Casmurro 
há jovens pederastas embebidos em lilás 
e putas com a noite passeando em torno de suas unhas 
há uma gota de chuva na cabeleira abandonada 
enquanto o sangue faz naufragar as corolas 
Oh minhas visões lembranças de Rimbaud
Praça da República dos meus Sonhos
última sabedoria debruçada numa porta santa

sábado, 12 de setembro de 2015

DISTRAÇÃO – Cláudia Gonçalves

quase meia-noite
onde estava
que não embarquei

contando estrelas
talvez…

quase meia-noite
a lua prata
avisou-me
e não…
não escutei

quase meia-noite
onde estava
que não embarquei

se o bonde passou
deixei… sobrei
parti-me de ti
sonhei as horas
que perdi

quase meia-noite
…desisti

PENSANDO – Charles Bukowski

outro dia fiquei pensando
no mundo sem mim
há o mundo continuando
a fazer o que faz e eu não estou lá
muito estranho
penso no caminhão do lixo passando
e levando o lixo e eu não estou lá
ou o jornal jogado no jardim
e eu não estou lá para pegá-lo
impossível e pior,
algum tempo depois de estar morto
vou ser verdadeiramente descoberto
e todos aqueles que tinham medo de mim
ou me odiavam vão subitamente me aceitar
minhas palavras vão estar em todos os lugares
vão se formar clubes e sociedades e será nojento
será feito um filme sobre a minha vida
me farão muito mais corajoso e talentoso do que sou
será suficiente para fazer os deuses vomitarem
a raça humana exagera em tudo:
seus heróis, seus inimigos, sua importância

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

CANTAR D'AMIGO – Fernando Namora

Estrangeiro!
talharam-nos em redor fossos, limites
e o cerco das fronteiras.
Estrangeiro! Ninguém entendeu, e nem tu, estrangeiro,
que entre nós não existem cordilheiras.

Ficaste de mãos desastradas, indiferentes,
quando a minha vida roçou a tua vida.
De olhos parados, indiferentes,
quando passei a teu lado.

Estrangeiro! Ficou-me esse desperdício de um adeus
que as tuas mãos frias não disseram,
nem os teus olhos vidrados,
nem a tua boca selada,
mas que eu pressenti, como alguém á beira de um cais,
ao ver sair barcos com gente que nos é estranha,
agitando lenços estranhos
alguém que sofre por nada.

Iludimos a vida, amigo!
E como para ultrapassar as fronteiras
os fossos,
as ironias
bastaria um só olhar!...
Não, estrangeiro! Vamos misturar o sangue dos rios
o abismo dos mapas
fazer qualquer coisa! Misturar, misturar.


PAZ DO POETA - Rafael Rocha – Do livro “Poemas Escolhidos”

O melhor do sentimento
É paixão no pensamento
É vontade de sonhar
Sentir na vida verdades
Viver curtindo saudades
Amar e sempre sonhar
O melhor do sentimento
Está guardado lá dentro
Na caixa do coração
É como um monumento
Erguido no firmamento
Construído de ilusão
E mesmo nessa miragem
O poeta tem coragem
(Ele nunca vive em paz)
A paz maior do poeta
É a musa predileta
Que ele não tem jamais.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

FOI UM BEIJO – Martha Medeiros


foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinquente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca

ANGÚSTIA – Stéphane Mallarmé


Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:

Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:

Pois o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade.

De um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

SONETO SEXTO DA INFÂNCIA – Farias de Carvalho

A PRIMEIRA NAMORADA

Como pássaros brancos que voltassem
de uma estranha região de coisas mortas,
as tuas mãos, Teresa, em meus cabelos
vieram ninhar saudades esquecidas.

Deixa eu tê-las nas minhas. Vamos juntos
passear velhos domingos de outros tempos,
fazer a turma toda roer de inveja
quando eu passar contigo pela praça.

Repetiremos tudo novamente:
- eu, orgulhoso, comprarei sorvetes
com os dez mil réis contados da semana;

ficaremos depois no velho banco
sem dizer nada, nossas sombras juntas
como duas saudades que se achassem!

AS ESTRELAS – Ascânio Lopes

Ele enamorou-se das estrelas e quis possuí-las.
E começou a construir uma torre para alcançá-las.
Mas quanto mais a torre crescia no ar
mais longe ficava o céu inatingível -
e as estrelas cada vez brilhavam mais.

Um dia, quando a torre estava enorme, fina, alta
e o céu tão longe e as estrelas tão altas
ele desanimou e pôs-se a chorar.

E debruçou-se no alto da torre alta.
Mas deu um grito de dor
porque, lá embaixo, embaixo, as estrelas brilhavam mais
no espelho das águas paradas.